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Perceber e Receber a Si e ao Mundo

O praticante de Yoga é aquele que faz uso de suas faculdades para conhecer todo o universo em Si mesmo. No sistema nervoso desse praticante uma série de captações e estímulos se dão e aqui seguem conceitos importantes desse processo numa ótica fisiológica e somática.

Propriocepção é a percepção de posição e movimento corporal incluindo

Origens, raízes e textos do hatha yoga

Yoga pode ser considerado uma disciplina ou pedagogia (upāya), sobretudo é uma filosofia, que outras tantas disciplinas como história, antropologia, teologia e filosofia tratam. Acredita-se que o yoga tem origem sul asiática há mais de 5000 anos, durante o neolítico, na civilização harappeana, também conhecida como civilização do Vale dos Índus, localizada no atual Paquistão.

 

George Feuerstein, em a “Tradição do Yoga”, descreve 5 períodos na história do yoga:

 

• Yoga védico:

-Entre 7000 anos AEC ou 500 anos AEC;

-Práticas ligadas à rituais para alcançar o mundo dos espíritos;

-Época dos grandes textos dos Vedas.

 

• Yoga pré-clássico:

-Entre 2000 anos AEC e 200 anos EC;

-Práticas de meditação profunda para transcender o corpo;

-Época do nascimento de Gautama, o Buda;

-Época dos Upanishads e do Bhagavad Gita (parte do épico Mahabharata).

 

• Yoga clássico:

-Entre 100 anos da EC e a idade média, o Hatha Yoga medieval;

-Práticas principalmente de meditação;

-Época dos Sutras de Patanjali.

 

• Yoga pós clássico:

-Práticas de meditação e físicas onde o foco é o presente e não o

futuro ou vida após a morte;

-Surge o hatha yoga propriamente dito em textos como: Hatha

Yoga Pradipika e Gheranda Samhita.

 

• Yoga moderno:

-Época atual;

-Marcado pela vinda de Swamis e gurus para o ocidente no movimento do revivalismo hindu na Europa e EUA;

-Ampla divulgação do Hatha Yoga no ocidente pela linhagem Krishnamacharya, entre outras.

 

Hatha Yoga é o yoga vigoroso, o foco do presente artigo, é o yoga do corpo físico, cujo objetivo supremo éidêntico ao de todos os caminhos do yoga, transcender a consciênciaegóica e realizar a si mesmo ou, em outras palavras, expandir a consciência, realizar Śiva. Na prática, o Hatha apresenta técnicas para elevar o potencialdo corpo, para que ele seja capaz de suportar a força da expansão, do re-conhecimento, da libertação ou até da transcendência.

 

A iluminação do homem é, para muitos, a iluminação do corpo e mente por inteiro. As respostas neurológicas também traduzem para o corpo o que os estados místicos da consciência manifestam. Aliás, é nessa valorização do corpo que Hatha Yoga converge com o tantra, os praticantes de ambos têm o interesse de realizar a si mesmo em corpo saudável, no qual possa gozar do universo manifesto nas suas diversas dimensões.

 

O período formativo de Hatha Yoga foi entre os séculos XI e XV da era comum, talvez tenha sido o último yoga a ter sido revelado e antes dele os Vedas, Upanishads, Sutras e Agamas [tântricos] organizaram conhecimentos yoguicos diversos e preciosos. Enfim, apesar das raízes amplas sul asiáticas do yoga, podemos dizer que o Hatha Yoga é uma confluência de formas ascéticas e tântricas, inclusive do tantra budista, além de um encontro de filosofias não dualistas Śaivae do Advaita Vedanta.

 

Segundo James Mallinson, um estudioso de sânscrito e conhecido por suas publicações de Haṭha Yoga,foi nos textos tântricos budistas que aparecem as primeiras referências ao Hatha, com as descrições de bandhas e mudrās. 

 

No entanto, o Hatha Yoga Nātha medieval tinha muito em comum com a filosofia Kaulika do Abhinavagupta, que é uma vertente do que hoje conhecemos como Shivaísmo da Caxemira. Isso não significa que os Nāthasda atualidade sejam praticantes assíduos de Hatha Yoga, muito menos da forma performática e ginasta que é transmitida no ocidente, e nem quer dizer que os budistas não influenciaram profundamente o Hatha Yoga e até textos anteriores, como os Sutras de Patañjali. De uma forma ou de outra, é possível que algumas das práticas dos Nāthas ainda preservem algo do Hatha medieval.

 

Como já está posto, no que envolve as origens das práticas de Hatha Yoga, com āsanas, mudrās, pranayamas e outras técnicas, existem controvérsias e é cabível dizer que muitas informações se perderam com o desenvolvimento da sociedade indiana, inclusive, ou especialmente, durante a colonização. Por exemplo, alguns textos Vaisnavas e provenientes do Jainismo, anteriores ao século X da era comum vem sendo traduzidos.

 

Śiva Saṁhitā, Gheraṇḍa Saṁhitā e Haṭha Yoga Pradīpikā são considerados os três principais tratados clássicos sobreviventes do Haṭha Yoga chamado medieval. Sobre esses, discorro um pouco mais:

 

O primeiro é considerado o mais abrangente tratado sobre Haṭha Yoga, envolvendo também aspectos filosóficos e, embora a autoria seja desconhecida, o texto é narrado por Śiva que se dirige à Parvatī.  O texto é datado, por alguns estudiosos, do século XVII da era comum, enquanto outros, como James Mallinson, datam o texto entre 1300 e 1500 da era comum. O texto conta com um resumo da filosofia não-dual do Vedānta bem como a discussão sobre yoga, a importância de um guru e alguns āsanas, mudrās e siddhis (poderes) atingíveis com o yoga e o tantra.

 

O segundo é um manual do século XVII que consta de 351 estrofes distribuídas em sete capítulos. O ensinamento apresenta-se em forma de diálogo entre o sábio Gheraṇḍa e seu discípulo Chānḍa Kāpāli. Gheraṇḍa ensina uma disciplina de sete passos (sapta-sádhana), descreve trinta e duas posturas (āsanas) e vinte e cinco “selos” (mudrās), além de discorrer sobre técnicas de purificação (śodhana). 

 

O terceiro é o Haṭha Yoga Pradīpikā, ou Luz sobre Haṭha Yoga, que descreve práticas, incluindo 16 posturas e pranayamas. Se trata de um clássico manual sânscrito do século XV escrito por Svāmi Svātmārāma, que liga a linhagem ao Matsyendranāth dos Nāthas. Sendo Nāthas os ascetas e/ou pais de famílias, da linhagem Nātha Sampradāya que introduziram Kundalini e Laya Yoga (algumas meditações) ao Hatha Yoga e outros métodos tântricos ao Hatha ascético.  

 

Cito algumas das posturas descritas nos dois últimos textos mencionado:

 

Gomukasana,

Danurasana,

Salabasana,

Pashchimottanasana,

Kurmasana,

Virasana,

Ushtrasana,

Bhujangasana,

Siddhasana,

Savasana.

 

E ainda, outros textos de Hatha Yoga medieval que apresentaram e descreveram asanas: 

 

            Yogacintamani,

Hatharatnavali,

Yogasanamala,

Hathabhyasapaddhati,

Jogapradipyaka.

 

No yoga moderno e na contemporaneidade, vemos muitos defendendo o Hatha Yoga como uma tradição exclusivamente Nātha, outros, relacionando Hatha Yoga diretamente à textos anteriores de meditação como os Sutras de Patañjali, mas o mais importante é ampliarmos todas as fontes e saberes do yoga honrando sobretudo sua ancestralidade. E como podemos perceber, as raízes, origens e textos se revelam inúmeras,os textos clássicos de Hatha Yoga não são necessariamente Nāthas.

 

Ainda na contemporaneidade do Hatha Yoga, existem as expressões “hatha yoga clássico” para descrever práticas em espaços de yoga, que também oferecem “ashtanga vinyasa yoga”, entre outros estilos de prática de asanas. Então, encerro o presente texto com a popular linhagem de Krishnamacharya. Ele ensinava Hatha Yoga na Índia para discípulos, dentre eles: Iyengar, que fundou em Pune sua escola e método, que ganhou seu nome ou a designação de “yoga com props”; Patabi Jois, que fundou em Mysore sua escola e 8 sequências fixas de “ashtanga vinyasa yoga”; e Desikachar, seu filho, que sistematizou um atendimento mais individualizado com “viny yoga”, que junto de sequências fixas e outras influências nos trouxe ao popular e variado “vinyasa”. 


Yoga Multidimensional Não Dual 

O yoga é muito mais do que uma atividade física ou um conjunto de técnicas de meditação. São muitos caminhos com um mesmo objetivo, a expanção da consciência, a transcendência.  

Yoga é comunhão, a palavra vem da raiz sânscrita “yuj”, que significa união. A prática e a vida do praticante de yoga têm como propósito restaurar a comunicação dele com ele mesmo.

O yoga propõe uma viagem ao interior do indivíduo, para que ele encontre seu próprio destino, sua alma, a natureza do seu Ser. Essa viagem tem vales e cavernas, momentos fáceis e outros desafiadores, mas viagens podem nos levar à lugares paradisíacos. Essa plenitude alcançada no destido final da jornada é um estado de graça, a sua natureza.

Compreender que o yoga é viagem e não uma atividade física ou mesmo um estilo de vida, abre os nossos olhos para a função multidimensional da prática e perspectiva multidimensional do corpo. A prática abrange corpo, mente e alma como um resgate da natureza de cada indivíduo. E quando nos unimos à essa natureza resgatamos a nossa essência. 

O Hatha Yoga, yoga vigoroso ou físico, nos mostra a possibilidade de vivenciar tal expansão por meio do corpo. Ao valorizar o corpo como instrumento de expansão da consciência, ao afirmar que somos seres multidimensionais e ao perceber que somos parte emanada de uma consciência maior, podemos destinar nossa existência, nossas relações e nossos sentimentos à nós mesmos. Ao expandir a consciência diante de nossos aspectos estaremos ofertando o Todo ao Ser. 

Yoga Inclusivo: a consciência está disponível à todas e todos? 

O yoga admite, enquanto filosofia indiana, à Purusha a potência a nível de macro cosmos e à Prakriti a potência a nível de micro cosmos. Na prática, segundo a visão não dual, tudo que é manifesto é consciência. Logo, Prakriti é a manifestação de Purusha e a consciência individual pode expandir à <consciência> cósmica.

Todo indivíduo, consciência, possuí um núcleo saudável capaz de se perceber e expandir, tal núcleo pode ser identificado como parte da psique humana. A parte mais atrelada à alma (atma), ao Self, a essência do Ser, sempre plena de si, tranquila e em estado de bem aventurança (ananda).

Tendo em vista que o indivíduo, em questão, é manifestação (Prakriti) da consciência cósmica (Purusha). E que, segundo o sutra I de Pratyabhijña Hrdayam, "A consciência, em sua liberdade, causa a realização do universo"; nenhuma opressão, repressão ou exigência padronizada favorece o acesso à essência, o desempenho da potência de cada um, a manifestação autêntica, a reconexão com Purusha.

A realização do yoga se trata da expansão da consciência e fica impossibilitada quando não há liberdade.

Não somos todos livres enquanto não formos todos livres.”

É curioso que a liberdade é quase um pré requisito para a libertação (moksha) descrita no yoga, que se trata do estado ilimitado da consciência, que é universo, macro cosmo, Purusha.

Yoga Acessível: tradição e inclusão 

O yoga inclusivo é uma disciplina de autoconhecimento como todo yoga é, mas se refere ao movimento e as habilidade desenvolvidas com o objetivo de incluir pessoas de todas as idades, com corpos de todas as formas, de todas as classes sociais, origens, etnias e raças. Um serviço e tanto! A parte física de alguns aspectos da inclusçao é desafiadora, mas há muito mais. Para incluir mais corpos e pessoas com deficiência/PCD nas práticas de yoga, o professor de yoga deve conhecer os asanas e estratégias de suporte e variações, além da anatomia, fisiologia e biomecânica do corpo. Os corpos de raças diferentes não devem ser olhados sem percepção de cor e por aí vai. Todos os benefícios do yoga deverão ser democraticamente espalhados e tem origem nas raízes ancestrais e sul asiáticas do yoga. A raíz da árvore é a origem da vida e fertilidade, deve ser honrada pelo estudo de escrituras, práticas de mantras, uso da língua sânscrita, atribuição da origem das técnicas, etc. Filosoficamente o yoga também suporta a não violência, a inclusão e a libertação de todos os seres de forma "equal".


Estudar técnicas de adaptação de posturas, ciências contemporâneas e quaisquer complementariedades para disseminar a prática de forma mais inclusiva e representativa não distoa da origem do hatha yoga, amplificam e as tornam mais unânimes e acessíveis.


As práticas de posturas de yoga, meditação e pranayama podem ser feitas parcialmente ou integralmente na cadeira, na cama, no solo e na parede. Para tornar uma postura mais acessível existem algumas estratégias, como:

- usar yoga props (acessórios);

- replicar as ações chaves da postura em outra forma;

- mudar o plano de movimento/manifestação da postura;

- alternar as articulações que consistem na base da postura;

- dissecar a postura; ou seja, fazer uma parte do asana.


Para facilitar uma prática de yoga com asanas mais inclusivos e atrativa para vários corpos a comunicação assertiva e não performática é importante, para tal, algumas estratégias são:

- não falar expressões como “asana final”, “postura completa”;

- fazer convites e sugestões sobre como o praticante se movimenta e quais asanas executar;

- apresentar variações com o mesmo entusiasmo do que as formas que aprendemos como originais;

- evitar a visão e o termo “adaptação” e substituir por “variação”; eu costumo dizer que a primeira pode remeter à algo que limita e “variedade” nos remete a cardápios com muitas opções de comidas gostosas;

- evitar palavras que classifiquem praticantes e práticas por níveis; podemos usar: “desafiador” ao invés de “avançado”, “fundamental” ao invés de “iniciante”, “suave” ao invés de “nível 1” e por aí vai.


O yoga vigoroso - uma boa tradução para hatha yoga - aborda asanas sim, mas o grande lance é que yoga e asana não são sinônimos, especialmente se o foco for na performance da postura e não no processo de construção dela, em suas sensações e auto estudo do praticante. Ser excludente com quem procura o yoga pelas posturas ou se desafia por meio delas também não seria bacana. Afinal, estudar pelo corpo é a alma do hatha yoga, da teoria somática e psicossomática. O caminho ideal é mesclar o físico com as experiências que o físico proporciona ou o corporal, mental, filosófico e místico que abranjam a ancestralidade do yoga.


Ensinar e valorizar o corpo não é um equívoco, afinal ele conta a história de todo o ser. Incluir todos os corpos e pessoas na prática de yoga não é negar a alquimia dos asanas, mas tornar a prática física adequada para todos os corpos. Afinal, para praticar yoga basta respirar. Poderíamos dizer também que os asanas são porta de entrada para muitos praticantes, mas movimento corporal associado ao auto estudo é muito mais que isso. 


Para quem dissemina o yoga ou facilita práticas, abordar exclusivamente asanas não é o ideal, incluir um pouco de filosofia ou mantras na prática e no ensino, para honrar as origens do yoga é fundamental. Ou seja, formações de professores que abrangem o orientalismo e as posturas são fundamentais. 


Existem outros enormes desafios na inclusão, inclusive no meio do yoga, como criar um espaço seguro para o público diverso, produzir conteúdo e lecionar práticas com uma linguagem adequada que hon e a individualidade de cada indivíduo, oferecer serviços, bolsas e reflexão sobre justiça social, assim como promover consciência coletiva e de civilidade.


Os aprendizados deverão ser constantes, mas é possível construir a partir da reflexão e do conhecimento uma comunidade de yoga contemporânea acolhedora, mais representativa e inclusiva honrando as tradições e origens dessa tecnologia ancestral maravilhosa, a disciplina YOGA.

Psicologia Aplicada ao Yoga

Psicologia é o estudo do comportamento humano. Uma ciência que começou como um ramo da filosofia, quando os cosmólogos iniciaram a busca pela compreensão de experiências místicas, eventos e atividades de indivíduos comuns. Analisar, descrever e interpretar experiências místicas, sonhos, impulsos e comportamentos são aspectos comuns entre psicologia e filosofias milenares, como aquelas que se relacionam ao yoga. 

O termo psicologia, de origem grega, foi encontrado pela primeira vez em livros do século XVI. “Psique” com “logos” formaram a doutrina da alma. Sendo alma o princípio de todos os fenômenos da vida mental e espiritual. 

Na Grécia, Aristóteles já admitia, ao questionar Platão - o progenitor do dualismo na psicologia -, uma unidade dentro da dualidade. Ele transmitiu a ideia da inseparabilidade da alma e do corpo vivo. Tal ideia muito tem a ver com a valorização do corpo, característica que permeia a filosofia tântrica e do hatha yoga.

Atualmente, existem diversas formas da psicologia exercer seu papel tais como, a psicanálise, a psicologia analítica, a terapia cognitiva comportamental, a terapia transpessoal; e diferentes linhas baseadas em grandes cientistas: Wilhelm Wundt, um dos percursores da psicologia, Sigmund Freud, Carl Gustav Jung, Wilhelm Reich, etc.

Freud foi o percursor da perspectiva psicodinâmica, que admite que o comportamento é motivado por uma série de forças internas. Ele enfatiza que a natureza humana nem sempre é racional e que as ações podem ser motivadas por fatores não acessíveis à consciência. Logo, desenvolveu conceitos de consciente, subconsciente e inconsciente. Descreve o aparelho psíquico através dos termos superego, ego e id. 

Jung começou a desenvolver a psicologia analítica em reação à e sob influência da perspectiva psicodinâmica. Ele admite outros senões para consciente e inconsciente, admite inconsciente coletivo. Nos aprofundaremos, mais adiante, nos conceitos gerais da psicologia analítica, que valoriza conteúdos do inconsciente, experiências somáticas, misticismo e percepções do humano. 

A busca pelo autoconhecimento, a temática expansão da consciência e a prática de diversas terapias produzem, na atualidade, um cenário inspirador para integrarmos conhecimentos místicos milenares à ciência contemporânea. Além da disciplina yoga ser mais amplamente compreendida com o auxílio da psicologia, é fundamental conhecer minimamente teorias que respaldam a relação interpessoal entre praticantes, yoguis e, especialmente, professor e aluno. Entre todas as teorias, escolho a Junguiana para tal fundamentação, pode ser citada informalmente como não dual, é profunda, valoriza as relações interpessoais e expressões somáticas e místicas. 


Apresentação da Teoria Junguiana – Raquel Peres

A psicologia analítica foi desenvolvida por Jung com base em inúmeros estudos acerca de diversos temas como Psicologia, Antropologia, Mitologia, Religião, Alquimia. Ele elaborou a descrição de um aparelho psíquico, que utiliza a própria consciência para abranger e compreender os fenômenos do inconsciente, uma vez que esses só são manifestados através da consciência. 

“A psicologia como ciência relaciona-se, em primeiro lugar, com a consciência; a seguir, ela trata de produtos que chamamos psique inconsciente, que não pode ser diretamente explorada por estar a um nível desconhecido, ao qual não temos acesso. O único meio que dispomos, nesse caso, é tratar os produtos conscientes de uma realidade, que supomos originários do campo inconsciente (...) A psique inconsciente, (...) se exprime através de elementos conscientes e em termos de consciência.” (Jung, 2011, p.20) 

O ego é o centro da consciência, mas trata-se de um complexo, sendo o complexo um nó de energia, mas o mais próximo e valorizado que conhecemos. O ego é um elemento da consciência, que engloba conteúdos diferenciados. Determinado conteúdo só atinge a consciência se relacionar-se ao ego, mas o complexo do ego recebe influência do Self, e de conteúdos indiferenciados do inconsciente. 

O eixo ego Self é a expressão da individualidade de uma pessoa. O ego é o centro do consciente enquanto o Self é o centro ordenador da totalidade psíquica e fonte de todas as imagens arquetípicas. Self é o núcleo percipiente, o atma. 

A psicologia analítica já recebeu o nome de psicologia dos complexos. Logo, ampliar sua significância é importante. Complexos são possibilidades a serem integradas e por trás de cada complexo há um arquétipo, o qual se expressa pela sua imagem, a imagem arquetípica. Os deuses e mitos são arquétipos. 

O Self é um arquétipo, assim como a persona, a anima, o animus, a sombra e etc. 

Sobre os arquétipos; 

“Um agrupamento definido de caracteres arcaicos, que, em forma e significado, encerra motivos mitológicos, os quais surgem em forma pura nos contos de fadas, nos mitos, nas lendas e no folclore. Alguns desses motivos mais conhecidos são: a figura do herói, do Redentor, do dragão, a baleia ou o monstro que engole o herói.” (JUNG, 1972, p.60) 

A persona é o arquétipo relacionado à máscara utilizada para o Eu apresentar-se ao mundo, a máscara a ser vestida varia conforme a cultura e o contexto. A anima e o animus são os binários masculino e feminino, apresentam-se em diversas imagens arquetípicas como, por exemplo, Shiva e Shakti. 

Anima é a representação psíquica da mulher, a feminilidade inconsciente formada a partir das experiências com mulheres (mães, irmãs, professoras etc.). Já o animus é a personificação do principio masculino formada a partir das experiências com homens e com o masculino da mãe. Ambos funcionam de dentro da psique humana de maneira inconsciente. 

Os complexos vêm à consciência, são possibilidades a serem ou não integradas. Logo, os arquétipos também. Sendo a sombra um dos arquétipos, ela pode ou não ser integrada através do confronto ego inconsciente. 

“Tudo o que conheço, mas não penso num dado momento, tudo aquilo de que já tive consciência mas esqueci, tudo o que foi percebido por meus sentidos e meu espírito consciente não registrou, tudo o que, involuntariamente e sem atenção, sinto, penso, relembro, desejo e faço, todo o futuro que se prepara em mim e que só mais tarde se tornará consciente, tudo isso é conteúdo do inconsciente.” (Jung, 1984, p.185) 

Se até mesmo a consciência é um produto do inconsciente, qual seria seu limite? Sendo o inconsciente o mundo invisível, torna-se impossível responder com coerência, mas dispomos das manifestações do inconsciente, da sincronicidade, dos sintomas, dos sonhos e das expressões artísticas para confrontá-lo. Dispomos do yoga para expandir tais manifestações. 

Jung estuda e produz literatura significativa acerca da temática energia, tendo como precedentes Freud, que utiliza o termo libido, Von Grot, Lipps, Stern e Schiller. Carl Gustav Jung elabora um conceito de energia psíquica embora a expressão já tivesse sido utilizada, por exemplo, por Schiller. 

Freud associa o termo libido a uma suposta energia psíquica, a energia das pulsões sexuais. E a pulsão é para ele uma ideia abstrata, um conceito fundamental convencional necessário à psicologia. 

Para Grot; “o conceito de energia psíquica é tão legítimo na ciência quanto o da energia física, e a energia psíquica tem igualmente medidas quantitativas e formas diferentes como a física”. (JUNG, 2012, p.16) 

O termo libido atribuído por Jung é coincidente a energia física mecanicista e ao mesmo tempo ao ponto de vista energético. 

“Energia psíquica é a possibilidade inerente aos próprios processos de atualizar essa força neles mesmos. Diferenciar força de energia é conceitualmente imprescindível, pois a energia é propriamente dito um conceito que não existe objetivamente no fenômeno em si, mas que existe sempre só na base específica da experiência, isto é, na experiência a energia está sempre especificamente presente como movimento e força, quando atualizada, e como situação ou condição, quando em potencial. Quando atualizada, a energia psíquica aparece nos fenômenos dinâmicos específicos da alma, tais como instintos, desejos, vontades, afeto, atenção, rendimento no trabalho etc., que são justamente forças psíquicas. Quando em potencial, a energia aparece nas conquistas específicas, nas possibilidades, atitudes etc., que são condições.” (JUNG, 2012, p.24) 

Pode-se concluir, sobre energia, que, segundo Jung, o indivíduo nasce e se desenvolve com o mesmo quantum de energia psíquica. Entretanto, a energia pode se manifestar e estar mais concentrada em diferentes locais da psique, em diferentes funções psíquicas, nos complexos, conforme o momento da vida, estímulo ou experiência. Jung também expande o termo libido para a experiência ou potencial de qualquer vivência, seja ela sexual ou não. A energia realiza diferentes movimentos como: progressão, regressão, extroversão e introversão. A progressão, não está relacionada à evolução, mas à expansão da consciência; a regressão, é um movimento relacionado ao inconsciente; a extroversão, é a energia direcionada para o mundo afora, e a introversão, para o universo pessoal. 

Pode-se concluir que o movimento da libido é tridimensional. Ao introverter pode-se estar progredindo ou regredindo. Da mesma forma que ao extroverter, as condições do meio podem influenciar uma progressão ao consciente ou uma regressão ao inconsciente. 

A sombra é outro arquétipo e aspecto inconsciente. É constituída por conteúdos não desenvolvidos como: características desagradáveis, que podem ser projetadas em outrem, conteúdos criativos e até partes positivas de uma personalidade a se desenvolver; é todo o material reprimido ou não aceito pelo ego, nela estão presentes conteúdos incompatíveis com a persona. 

O perigo é que a consciência egóica se identifique exclusivamente com a persona, pois quanto mais identificado com ela, mais o sujeito reprime a sombra, que vai ganhando força. E a força do inconsciente é vasta, dominadora e facilmente confundida com o destino. 

Segundo Jung, a sombra tem a peculiaridade de ser identificada apenas quando projetada em outro sujeito, quando isso ocorre os indivíduos apresentam-se misturados, mas o sujeito primário, emissor de sombra, só se incomoda com o outro, a tela de projeção da sombra, naquilo que lhe é sombrio. 

É na tensão ego e sombra, confronto ego inconsciente, que é possível a ampliação da consciência e assim a busca da totalidade e da individualidade, ou seja, do processo de individuação. 

A psicologia analítica tem como foco principal o processo de individuação, que é, por sua vez, o grande objetivo da análise em si. Análise ou processo terapêutico é um mergulho no universo invisível do inconsciente com o objetivo de elaborar e entrar em contato com novos conteúdos independentemente da grande meta. É notável como o yoga pode ser o processo terapêutico em si. 

Individuação significa tornar-se um indivíduo através da integração consciente inconsciente. Quanto maior a expansão da consciência mais o sujeito, que estiver no processo, se diferencia dos outros, ou seja, mais o conceito de individualidade lhe cabe; o sujeito torna-se uma unidade separada, indivisível, um todo compatível com aquilo que lhe cabe realizar no mundo. 

Pode-se dizer que atender ao processo de individuação é a finalidade de toda a teoria de Jung. 

“O conceito de individuação desempenha papel de somenos em nossa psicologia. De modo geral, pode-se dizer é o processo de constituição e particularização da essência individual, especialmente, o desenvolvimento do indivíduo- segundo o ponto de vista psicológico, como essência diferenciada do todo da psicologia coletiva. A individuação é por tanto, um processo de diferenciação cujo o objetivo é o desenvolvimento da personalidade individual.” (JUNG, 1976, p. 525) 

Em outras palavras, a teoria Junguiana aborda a inter-relação dos opostos mente e corpo, feminino e masculino, luz e sombra, consciente e inconsciente. Relações binárias essas, que ocorrem no próprio confronto ego inconsciente, confronto esse que se dá através de experimentações, vivências e do processo analítico. Essa integração dos opostos pode ser encontrada em outras filosofias e tradições como, por exemplo, no estudo dos chakras, tendo em vista que a pulsação energética do primeiro ao sétimo chakra pode ser considerada uma jornada. É possível traçar um paralelo entre o processo de individuação e o movimento energético do primeiro ao sétimo chakra. Ambas as jornadas podem ser relacionadas à jornada do Self e a um processo que envolve determinado potencial energético. A teoria também converge com a valorização das experiências que a filosofia do Tantra abrange. A individuação significa tornar-se um indivíduo através da integração consciente inconsciente, que seria, no Tantra, a comunhão de Shakti com Shiva, Prakriti com Purusha. 


Corpo e psique - uma colab com Isadora Sandeville

Para nós, sempre foi fonte de fascínio poder observar a constante dialética entre o corpo e a mente, o denso e o sutil, e reconhecê-los como apenas faces de um mesmo. No paralelo psicologia e yoga, o segundo em uma visão (darsana) filosófica não dualista (advaita), o ser humano é compreendido como um microcosmo do macrocosmo, uma parte ou unidade da totalidade múltipla. Nas duas linhas de estudo nos foram dadas ferramentas para análises e nos permeia o incômodo de viver em uma sociedade profundamente dual e cindida, na qual existe uma separação contundente entre corpo e mente, entre um e o outro, que resulta em uma grande desvalorização do corpo e da função sensação em prol da mente e da função pensamento.


Refletimos: 

"O corpo é comumente percebido como uma dimensão puramente utilitária destituindo-o de seu sentir, “medicalizando” suas manifestações, o que entendo ser fonte de sofrimento psíquico e de alienação de si. Em uma visão não dualista, o corpo pode ser um instrumento de investigação e integração com o natural, o outro e os processos alquímicos dos encontros, interações. Assim, na tradição yoguica me deparei identificada com o chamado tantra monista, linha filosófica de pressuposta origem no norte da Índia, por ser um movimento de valorização do encontro do individuo com o todo por meio dele mesmo e do corpo como um veículo para experienciar a realidade una, da qual somos parte e reflexo.

 

O abafar da razão que, por sua vez, também é exprimida pelo corpo sempre foi algo que me gerou grande desconforto e questionamentos. Lembro de uma aula na qual o professor falou que “psicossomática é um pleonasmo” e me recordo do impacto que essa frase teve, em termos de amparo teórico, sobre descobertas tão pessoais que eu vinha experienciando em minhas práticas corporais de yoga. Eu estava sentindo a nível individual a indissolubilidade da conexão corpo e mente enquanto um todo, completo em si. Percepção que provavelmente se deve ao meu entendimento de movimento como símbolo, como linguagem do inconsciente. O mover, como um ato de dar forma - por meio do denso, para compreender o sutil, para reconhecer a si mesmo em sua totalidade tem potencial alquímico. É como um circumambular em torno de si, a partir de si. 

 

Por meio de minhas vivências na psicologia analítica e no yoga não dualista que valoriza o corpo, entendo-o como um inteiro dotado de energia psíquica, que pulsa e clama por integração. Quando penso sobre a função transcendente não apenas como um resultado da união de conteúdos conscientes e inconscientes, abro espaço para uma forma de integração psicossomática, o reconhecer da totalidade na unidade. Para mim, a individuação pode apenas se dar a partir dessa integração, e a aproximação do self é um caminho a ser trilhado por meio do corpo, um caminho de aproximação do inato, daquilo que é instintivo, que nos permeia e transcende."



Manual de Conduta para o Professor de Yoga

pdf Manual de Condutas para Professores de Yoga.pdf